Ednardo tem um olho numa terra de cego

Diário de Minas
Belo Horizonte, 13 de novembro de 1983
SOM

KIKO FERREIRA

 

Dez anos se passaram desde que Rodger Rogério e Teti formaram com Ednardo um grupo que deu o que falar. Auto-denominado Pessoal do Ceará, o trio lançou o disco "Meu corpo minha embalagem, todo gasto na viagem" e conseguiu trazer o som de Fortaleza para os ouvidos sulinos.
"Terral", "Cavalo Ferro", "Ingazeiras". Três clássicos. Três marcos na MPB dos anos 70, passaportes para uma posterior revoada de nordestinos que vinham mostrar sua música.

Nos trabalhos seguintes, mesmo com os puristas torcendo o nariz, Ednardo mostrou suas garras urbanas, misturando Beatles e poesia concreta com aboios e cantos nordestinos.

Chegou a comparar o azul e o encarnado do pastoril com a polarização Yin?Yang dos chineses.

Neste décimo disco, saindo esta semana pela EMI-Odeon, o inquieto compositor de "Pavão Mysteriozo", joga mais lenha na fogueira. Aparecendo na capa numa pose petulante de Dylan tropical, ao lado do nome escrito em artesanais letras vermelhas, ele ataca novamente de geléia geral.

A idéia, no início, parece ser a de vender uma imagem roqueira, tão ao gosto do mercado, conhecido a fundo pelo produtor (o mesmo de Julio Iglesias) Fernando Adour.

Até a segunda faixa, tudo bem, mas a partir da viola de doze cordas de Manassés em "Arraial" os três anos de retiro voluntário em Fortaleza brotam em acordes e ritmos.
"Papai, Mamãe", um samba misto de Gonzaguinha e Gilberto Gil, é muito eficiente, com uma ironia corrosiva aliada a imagens que lembram Lennon ("... não quero ser um soldado / Eu não quero me acabar por aí / Outro Vietnam sempre pode pintar / E me mandam lá pro Piauí..."). "Tudo" lembrando Mautner e Caetano, com palavras soltas e misticismo.

Termina aí o lado A e, virando o disco, temos quatro boas músicas para dançar e pra tocar no rádio.
A primeira é "Rubi", uma lambada (ritmo cubano), seguida pelo frevo "Café com Leite". "Encantado" com ritmo meio aforrozado, mistura alquimia com Chiquita Bacana.

"Nova Raça" começa como balada, muda o ritmo ao falar de computador e rádio, e vira um possível "hit" pras FMs. A última faixa "Ponto de Conexão" (instrumental), poderia, apesar do nome, ter ficado fora do disco, por não trazer nada de novo.

Está lançada mais uma cartada polêmica na carreira de Ednardo, e discussões a parte, só o fato de termos um trabalho de idéias já é louvável. Quem tem um olho é rei.