Começo e fim?

Revista VEJA
25 de Setembro de 1974 - pág. 94

TÁRIK DE SOUZA

 


Ednardo: desolado e agreste

O ROMANCE DO PAVÃO MYSTERIOZO, com Ednardo; LP Vik/RCA 1090010

Amanhecer no Bar do Anísio, em Fortaleza, era a "gestação exaustiva de um trabalho que reunia as mesmas pessoas".
Então, todos começaram a sentir "a neurose muito grande que vinha de uma descoberta: havia muita coisa a mostrar e a província não comportava ainda uma amostra do gênero".
Tais "mesmas pessoas" eram Fagner, Belchior, Ednardo, Rodger Rogério e Tetty, cuja "descoberta" e conseqüente mudança para os mercados do Rio de de São Paulo, resultaram inicialmente num "não grupo" chamado Pessoal do Ceará.
Após as primeiras conquistas (Belchior ganhou um festival universitário em 1971) o conjunto começou a se desmembrar. O próprio Belchior ergueu uma modesta mas sólida carreira individual em São Paulo. Fagner seguiu a sua no Rio. E o trio restante, também em São Paulo, gravou sob o nome Pessoal do Ceará, obtendo um êxito de parada de sucessos, a música "Terral".
Ednardo, por extenso José Ednardo Soares Costa Sousa, cearense como todos os outros, autor da música, agora lança-se individualmente, com possibilidades intensas, por caminhos semelhantes aos dos colegas.

Unidade Sonora

Ex-professor de matemática, operador de máquinas, formado em química industrial, em 1962 Ednardo já freqüentava o movimentado bar do Anísio. Talvez por este vestibular comum, suas maneiras de cantar, desolado e agreste, lembram as de Fagner, especialmente quanto à extensão estridente dos agudos.
Seu disco, no entanto, ao contrário do outro estreante, tem uma unidade sonora amadurecida e sólida. Baseado na idéia-chave do velho e famoso cordel nordestino, "O Romance do Pavão Mysteriozo", o LP segue o tom descritivo dessa espécie literária.
Coerente, sua moldura instrumental, arranjos sóbrios de Hareton Salvanine, Heraldo do Monte, Isidoro Longano, compõe-se de uma mudez cuidadosa e dosada combinando com a simplicidade elaborada do compositor combinando com a simplicidade elaborada do compositor, violonista e cantor.
Das três funções que exerce na gravação, porém, Ednardo pe melhor cantor - o que prova na esplêndida regravação de "A Palo Seco", de Belchior. Seu texto ainda tropeça em obviedades, como as transcritas no atraente livrinho de cordel que acompanha o LP, com as letras e ficha técnica da gravação.
"Todas a piruetas que o rapaz fez para livrar a moça do castelo do conde, resultaram num sentimento final anti-repressivo, livremente bonito, sem preocupações, porque o começo de cada coisa já contêm o seu fim".
Fica a dúvida se ele estaria também se referindo à própria carreira.