Porto Alegre,  -  Quinta-Feira 25/04/2002    Página: 01 þ BOX
Segundo Caderno

Ednardo canta os mystérios

Depois de 20 anos sem se apresentar em Porto Alegre, o cearense faz show amanhã no Teatro do Sesi

 

RENATO MENDONÇA

Quem viu não esqueceu. Era final de 1982, e Ednardo, com a carreira colorida pelo megasucesso do hino Pavão Mysteriozo, lotou o Teatro Leopoldina (hoje Teatro da Ospa) com gente jovem reunida, uniformizada de sandália de couro e bonés como os do ídolo cearense.
Amanhã à noite, no Teatro do Sesi, Ednardo volta a Porto Alegre. O figurino da platéia deve ser diferente, mas a trilha sonora incluirá sucessos da época como Pavão Mysteriozo, Terral, Artigo 26 e Enquanto Engoma a Calça, além de canções do novo CD de Ednardo, Única Pessoa (2001
)
Ednardo conversou com Zero Hora no que ele chama brincando de seu "escritório", um café em Copacabana. Com o habitual boné, parece confirmar um dos versos de Pavão Mysteriozo - "Me guarda moleque, de eterno brincar".
- Adoro o Sul. Rio Grande do Sul e Ceará são os extremos que se tocam. O cearense é cigano como o gaúcho, nossas músicas são um mosaico que mistura regional, funk, MPB, rock...

Divulgação / Fotos de Adriana Pitiglianni

O compositor cearense de 57 anos lembra que fez parte do mosaico gaúcho numa noite de outubro de 1982, durante o festival Cio da Terra, em Caxias do Sul. Ele e Hermeto Pascoal eram as grandes estrelas do evento.
- Foi maravilhoso. Conheci Nei Lisboa e Bebeto Alves. Toquei quando o Sol estava aparecendo. Tomei uns vinhos tintos e cantei só de camiseta num frio de -2 ºC.
Da conversa, saem algumas explicações para o estilo cheio de imagens, de letras trabalhadas, de criação de uma mitologia poética. Ednardo diz que seu pai e seu avô são seus arquétipos. O avô, índio, contava histórias de realismo fantástico deitado na rede, o pai era fanático por Mario Quintana. Mas nas rádios da época conviviam Luiz Gonzaga, Beatles e Orlando Silva. Entre 1965 e 1973, no entanto, Ednardo lutava para ser artista. Trabalhava entre 23h e 7h na Petrobrás, dormia de manhã, estudava de tarde e tocava de noitinha na cena efervescente de Fortaleza, que renderia o Pessoal do Ceará - de Amelinha, Fagner e Belchior, entre outros.

Ednardo ficou sabendo de seu sucesso pela televisão
- Tinha lançado o elepê Pavão Mysteriozo, mas sem grande repercussão. Um dia, estava de excursão não sei bem onde, e de repente liguei a TV na novela das 10 e lá estava, na abertura, o maracatu Pavão Mysteriozo tocado na íntegra. Uma semana depois, já tinha vendido 150 mil. Na outra semana, mais 150 mil.


Ednardo acaba de lançar CD com Belchior e Amelinha

Ele diz que foi abençoado, porque já tinha dois discos gravados (Berro e Azul e Encarnado, que acabaram ofuscados) e não deixou a explosão do Pavão direcionar sua criação. Mas não desdenha do maior sucesso:
- É o cruzamento do cordel urbano com a mídia eletrônica. Já teve quase 30 regravações no Chile, no Japão, até no Xingu.

Entretanto, a inquietude criativa de Ednardo, cioso de sua autonomia, custou 10 anos fora do disco. Seguiu fazendo shows por todo o Brasil, criando trilhas para filmes (como Luzia Homem, de Fábio Barreto).
Segundo o cantor, esse exílio midiático, "castigo" por seu comportamento, se deve também à extinção de uma espécie - "a do programador de rádio que é independente".

O exílio tem sido amenizado nos últimos anos à força do CD Única Pessoa, em que Ednardo canta composições de outros autores, inclusive Sinal dos Tempos, dos gaúchos Totonho Villeroy e Bebeto Alves, e do ótimo CD Pessoal do Ceará, em que Ednardo se junta a Belchior e Amelinha para cantar sucessos como: Como nossos Pais, o eterno Pavão, Mucuripe, Artigo 26 e Alucinação. O relançamento da trilha sonora da novela Saramandaia e do CD Cauim (1978) se somam para reforçar a volta de Ednardo à mídia. Mas nada que o faça mudar de filosofia de arte e de música:
- Só gravo o que acredito. O sucesso só tem sentido quando você puder fazer como o Guga, que venceu o Roland Garros, desenhou o coração na quadra e deu o carro de presente.


ZERO HORA - Sexta-feira 26/04/2002 Página: 05 þ BOXSegundo Caderno

Ednardo, 20 anos depois
Criador do "Pavão Mysteriozo" faz show hoje no Teatro do Sesi

RENATO MENDONÇA

Certo, vai ser difícil encontrar a sandalinha e o boné de couro, mas mesmo assim vale a pena reencontrar Ednardo e seu Pavão Mysteriozo, que há 20 anos não se apresentam nos palcos de Porto Alegre.
Ednardo
(www.ednardo.com.br) faz apresentação única, hoje, às 21h, no Teatro do Sesi, cantando seus sucessos e mostrando faixas de seu novo CD, Única Pessoa (2001), em que canta autores de todo o Brasil, inclusive gaúchos como Totonho Villeroy e Bebeto Alves.
Expoente do Pessoal do Ceará, grupo de cantores e compositores nordestinos que baixou no centro do país no início dos anos 70, como Belchior, Fagner, Amelinha e Fausto Nilo, Ednardo protagonizou um fenômeno fonográfico ao emplacar o maracatu Pavão Mysteriozo na abertura da novela Saramandaia, em 1976, e virar febre democrática, fissurando tanto o público universitário quanto a dona de casa.
A febre baixou, Ednardo não cedeu aos apelos das gravadoras em clonar pavões em série, e a carreira do cearense entrou no desvio do grande público. Os antigos sucessos mantiveram o criador do pavão fazendo shows por todo o Brasil e criando trilhas de cinema, como para o filme Luzia Homem, de Fábio Barreto.

Ednardo - Foto de Adriana Pitiglianni

Ednardo, agora, está de volta graças à febre dos relançamentos e compilações, lembrado por sucessos como Pavão (claro!), Artigo 26, Na Hora do Almoço, Enquanto Engoma a Calça, Pastoril e Terral, que parecem
não sentir o tempo.
Tudo para ser conferido à noite, na prova dos nove do palco, quando Ednardo puser seu pavão para correr ao lado do guitarrista Dino Rangel. O revival também pode ser levado para casa, embalado no disco Ednardo, Amelinha & Belchior, que acaba de ser lançado.


Pessoal do Ceará - CD

Quando Ednardo, Teti, Rodger Rogério, lançaram o elepê Pessoal do Ceará, em 1972, o impacto foi imediato. O disco apresentava uma alternativa urbana e rejuvenescida para o cordel. Trinta anos depois, o Pessoal do Ceará - Ednardo Amelinha, Belchior, se reúne com outra missão: voltar ao convívio do grande público, conferir se a fórmula que mistura elementos regionais com musicalidade pop não está com o prazo de validade vencido.

Consegue isso em boa parte das 14 faixas, produzidas por Robertinho de Recife. Não há como não reconhecer a voz tensa de Amelinha cantando Mucuripe. Nem deixar de batucar na mesa quando o maracatu Pavão Mysteriozo começa a correr.
  A importância de Ednardo é reposta ainda em três clássicos da década de 70: Enquanto Engoma a Calça, Terral e Artigo 26. Belchior é reconhecido por três jóias do disco: Alucinação (1976), Como Nossos Pais, e A Palo Seco.
O Pessoal do Ceará ainda canta duas músicas inéditas: Bossa em Palavrões (média, de Belchior) e Mote Tom e Radar ( boa , de Ednardo).

RENATO MENDONÇA